16 de fevereiro de 2011

Investigação, História e o Método Morelliano


   O historiador é um investigador, e precisa enxergar indícios, interpretar fontes. Carlo Ginzburg, no capítulo “Sinais, o Paradigma Indiciário”, de “Mitos, Emblemas e Sinais”, minha referência para este texto, fala do “método morelliano”, que se assemelha a esse ideal de percepção investigativa do historiador.

   Na Alemanha, no século XIX, surgiram artigos sobre a pintura italiana, de autoria de um russo, Ivan Lermollief. Mais tarde, o verdadeiro autor foi revelado, um italiano chamado Morelli. Lermollief era um anagrama.

   Os artigos falavam de um método para se descobrir a autoria de telas, com base na análise dos detalhes destas. Os museus europeus estavam cheios de telas atribuídas equivocadamente a pintores, eram cópias.

   Para se distinguir as telas originais das cópias, Morelli analisava os pormenores, e não as principais características que revelavam a escola a que o autor pertencia, como os sorrisos de Leonardo Da Vinci, ou os traços destacados e cores que chamam a atenção em outros pintores.

   O método morelliano consistia em observar o que praticamente não se percebia nas telas. Ou seja, as unhas, os lóbulos das orelhas, o formato dos dedos das mãos, dos pés.

   Era necessário identificar onde o esforço mental do pintor era menor, onde ele descuidava. É nesse descuido que o pintor deixava sua verdadeira assinatura. Sendo que, como essas partes eram feitas sem a preocupação do pintor, em todas as telas elas eram iguais. Aqui ficava impresso o subconsciente do pintor. E em cada pintor esses pormenores eram diferentes.

   Um museu analisado por Morelli se tornava um museu criminal. Ele encontrou muitas telas que eram na verdade cópias, com base em suas observações.

   Arthur Conan Doyle, com Shrelock Holmes, parece ter se inspirado em Morelli. Holmes é um detetive que analisava as pistas e indícios deixados pelos criminosos para deduzir a verdade. Com a investigação dos pequenos detalhes, aparentemente impercebíveis, ele consegue desvendar os casos.

   Ginzburg relaciona Freud e Morelli, porque com a publicação anônima de um artigo, Freud revelou ter sido influenciado pelo método morelliano na psicologia moderna. Ele se interessava por arte e leu sobre Morelli muito antes de ter pensado a psicanálise. Esta se baseia na análise do que o paciente “deixa passar” inconscientemente em sua fala. Assim como no método morelliano.

   É onde trabalha o inconsciente da pessoa que ela revela quem realmente é. Os pintores se revelam onde dão menos importância, e Morelli observa essas imagens pictográficas. Os criminosos são identificados por Holmes através das pistas que, sem querer, deixam para trás. Freud observa os sintomas apresentados pelo paciente quando este, sem perceber, se entrega.

   Com o advento do capitalismo e as novas formas de trabalho industrial nas grandes cidades, era preciso uma forma segura de identificação dos indivíduos.

   Bertollini inicia a identificação das pessoas através de suas características físicas, com o retrato falado. Gales, no século XIX, instaura a identificação com base na impressão digital, sendo esta, única em cada pessoa. As impressões digitais já eram usadas muito antes na Índia, sendo marcadas nas cartas.

   O ser humano, há milênios, já buscava formas de identificação, com suas pinturas corporais e arte característica de cada grupo ou nação. Buscavam pistas e indícios para caçar suas presas, como pegadas, galhos quebrados, sons e cheiros.

   Interpretando os indícios, pistas e pormenores, tentando entender o que as fontes têm a dizer além do óbvio, ser um pouco Morelli, Holmes e Freud. É dessa forma, também, que o historiador precisa enxergar além em suas investigações, ao buscar a verdade.

As referências bibliográficas não são postadas no blog.
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